domingo, 19 de novembro de 2017

Ser negro no Brasil e as distorções históricas


A revista Veja desta semana traz um especial sobre Negros no Brasil que deve ser leitura obrigatória para todos. Tem gente que de cara vai torcer o nariz por ser Veja, uma besteira, grande perda de ótima matéria. O conteúdo traz informações e pontos de vista que não me lembro terem sido publicados na grande imprensa. Dão uma visão clara, trágica, vergonhosa, do que é ser negro no Brasil, a reboque do que somos todos nós, brasileiros.

Eu me lembro bem quando tinha lá pelos 5 anos de idade e fui pela primeira vez ao Centro de São Paulo com minha mãe e Conceição. Fizeram tantas recomendações que muitos anos mais tarde, já próximo dos meus 18 anos, eu ainda chamava "aquilo" de "circo de horrores". As recomendações eram para nunca largar da mão de uma das duas, contaram histórias assustadores sobre criancinhas desaparecidas e maltratadas que nunca mais voltavam para casa... No Centro entrei num mundo de ruas lotadas de gente estranha à minha realidade, vestimentas, etnias e cores diferentes, falas estranhas, e para piorar o conto de terror sentamos no ônibus de frente para um senhor que literalmente não tinha nariz e as pontas dos dedos, provavelmente em consequência de lepra, ainda comum na época. "Não toque em nada!" 
Até meus 11 anos vivi numa casa na rua Sofia 20, Jardim Europa, um universo social rico, de ruas vazias, quase nenhuma criança e asséptico. Passavam poucos e variados carros, uma ou duas motos, e uma bicicleta a motor barulhenta que era meu sonho. Aquilo era era minha normalidade. Brincava só, desacompanhado, tendo contato só com meus primos nos fins de semana, isto quando os via. Meus irmãos eram mais velhos, pacientes, mas estavam noutra realidade. Na mudança para um apartamento fui levado para Buenos Aires, cidade rica, limpa, organizada, com forte influência europeia, de gente como os meus, carros de todos tipos, conforto e ótima comida. Caminhávamos muito, usávamos metro e micro (ônibus pequeno), meu avô me apresentava aos amigos com muito orgulho. Esta viagem só veio a reforçar naquela criança a ideia que o Centro de São Paulo era mesmo um circo de horrores. As imagens que tinha de lá não estavam dentro de minhas referências. 

E a mudança desta visão começou quando passei a olhar com calma a cidade, fui expulso de um colégio de elite, cai num colégio de expulsos (como?), praticamente parei de ver meus primos, e principalmente convivi com os meninos do edifício onde fui morar, todos judeus de famílias leves, carinhosas, centradas, de classe média, com outros valores práticos, onde o valor maior era a simplesmente a vida. Não tenho como agradece-los pelo que aprendi. O circo de horrores ficou para trás, se transformou em vida, nada mais que vida. Os meus preconceitos foram caindo um a um e seguem caindo. Alguns deles hoje entendo que não foram preconceitos, mas completa desinformação e desconhecimento, mediocridade digo sem medo.

Não existe história neutra, é sempre a versão de alguém ou de um grupo. De tanto ouvir contos distorcidos acabamos submergindo e vivendo neles. Todos nós somos frutos de distorções. O grau de distorção varia em relação ao ambiente onde se vive. Pavlov demonstrou cientificamente os efeitos dos condicionamentos na psicologia do comportamento. Aquilo que de tanto bater fica encrustado na cabeça, por exemplo.

Eu fui uma criança agitada que vivia aprontando. O que minha mãe e Conceição queriam mesmo era que eu não aprontasse. A intenção foi correta, a forma de me controlar típica para época, o que hoje em dia é tido como um absurdo. Perdi o contato com Conceição, mas minha mãe foi uma mulher sábia, inteligente, divertida, sem preconceitos, a não ser contra a mediocridade, o mal feito.

A leitura deste especial de Veja, Negros no Brasil, revê a nossa história. É interessante colocar a leitura no contexto íntimo de nossas próprias individualidades. 
Hoje a tarde vi mais dois programas Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil no History Channel. Imperdível! Desta vez foi sobre A coluna Prestes, Lampião, o cangaceiro, e a Guerra do Paraguai, lógico com versões distantes das oficiais contadas até hoje. Gostaria de rever o Revisitando a Segunda Guerra Mundial e tudo mais que me possa fazer reavaliar meu passado. Não culpo ninguém, somos todos humanos, os dias eram assim, mas para ter um futuro melhor precisamos evoluir, ter contato com o que mais se aproxima da verdade.


O Brasil segue sendo uma imensa farsa mesquinha. Todos nós aceitamos isto que está aí. Nos falta leitura, educação, capacidade de conversa e discussão séria e honesta. Nos falta vergonha e respeito às nossas próprias vidas.  





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