sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Fim de ano


Já não tenho mais o mesmo fascínio que tinha com este clima natalino, mas ainda acho simpático sair por ai e ver luzes, decoração, agitação do pessoal na rua, o espírito de festa. Infelizmente não é mais como há uma década, quando pegar trânsito um pouco mais carregado que o normal por uma boa causa era encarado com espírito leve. Hoje olho através do pára-brisa dos carros, que é o único vidro ainda transparente, e vejo expressões duras, distantes, preocupadas, chateadas, gente falando no celular; ou rezando para Papai Noel tirar da frente todos os carros e mandar para o inferno as malditas madames que não tem mais nada a fazer da vida além de ir às compras. Mulher sempre é a culpada; se for loira dirigindo SUV então... O outro é culpado. A maioria dos condutores se diz adulto e não acredita em Santa Klaus, prova disto é só querem mesmo é “kraus” no próximo, uma santa solução dos problemas de nossa endeusada individualidade motorizada.

Papai Noel como conhecemos hoje, o bom velhinho de barba branca, gorducho, vestido de vermelho e saco de presentes nas costas, é uma figura socialmente forte. É uma fantasia, criação da Coca Cola no princípio do século XX. “Colou”. O espírito do Natal está brilhantemente colocado na famosa propaganda: vende um personagem bom, generoso, em um momento feliz, familiar, caseiro. Não transparece lembranças negócios, vendas e compras, o “com licença” dito no ranger dos dentes. O espírito do Natal do século XXI ultrapassou a propaganda, os interesses comerciais, as boas e más produções de Hollywood e acabou engolido por uma sociedade massiva, amorfa, deslumbrada. Não está morto, mas congestionado.

A maioria dos filmes é piegas, mas imbuído de boa fé, de um espírito de celebração da doação, da paz, da compreensão, de tantas coisas do bem. Faz rir e alguns realmente emocionam. Batem praticamente sempre no mesmo roteiro: quando se cai na bondade, se alcança o coletivo e o bem estar de todos. E é verdade. O saco do velhinho está cheio de doações e não há nada de mal em acreditar na esperança escondida ali. Eu realmente acredito em Papai Noel. Só acho meio estranho o gordo passar a barriga pela chaminé e entrar na sala limpinho, aí acho meio “over”. Natal pode até ser piegas, mas é um momento muito simpático.

A verdade fora das telas, ou realidade, é obviamente outra. Quem não acredita em Papai Noel não consegue mais ver o espírito da coisa. Seguramente não há renas puxando trenó, mas há o que crer. Definitivamente o que acontece atualmente no trânsito tem muito pouco a ver com o espírito natalino. Por mais que tenham criado roteiros e filmes de todo tipo sobre a festa, nunca, pelo menos que eu saiba, houve um no qual o automóvel fosse o centro da história. Não funciona porque o automóvel é individual, fechado, rápido, mortal, espírito praticamente oposto ao da festa do nascimento de um menino.

O trânsito parou. Que novidade! Está parado todo ano, todo dia, quase toda hora. Pegar um pouco de trânsito para fazer compras ou ver decoração virou um inferno, cujo personagem principal também usa vermelho, no caso na pele, e em vez de saco tem cornos. Não mais nenhuma graça em ficar parado dentro de um carro, nem para ir receber o prêmio da mega sena. Não há mais espaço, virou formigueiro, e até que me provem o contrário formigas não são humanas. Mas humanos se comportam como estúpidas formigas. Haja saco! Nem para a bicicleta sobra espaço.

Há um monte de grupos que saem pedalando nesta época do ano para ver o Natal em São Paulo. Para a maioria é novidade. Vão muito mais rápido e fluido que quem está no enformigamento dos carros. Não sei por quanto tempo ainda haverá graça de ir ver o Natal pedalando. Não há mais espaço, nas ruas ou calçadas, pelo menos para o ciclista. A boa notícia é que há cada dia mais gente nas calçadas.

Lembro claramente a primeira vez que entrei numa na av. Faria Lima e não havia espaço sequer para a bicicleta passar. Parei a bicicleta e fiquei muito assustado com a situação. Fuji por uma alternativa e voltei uns 10 quarteirões à frente. O nó era o estacionamento do Shopping Iguatemi, completamente entupido. Já naqueles idos os motoristas não estavam muito felizes dentro de seus carros, mas a perspectiva do dia de Natal suavizava o transtorno sazonal. Pelo menos os acompanhantes se mostravam vivos e esperançosos.

Desde então mudou tudo. Mudou o número de incluídos (e no que estão incluídos não sei muito bem), mudou o espírito, que deixou de ser um saco de felicidades para ser uma cueca dura de tijolinhos de notas de 100. O Papai Noel “muderno” gosta de falar um monte, distribui esmolas, matou a fome dos mensaleiros, e tem que ser mantido a distância a todo custo de um “mé”. Que santo é este? Que espírito é este?

Mudou tudo. Mudou tanto que até mudou a perspectiva com que se vê a decoração natalina. Passamos pela fase dos carros de grandes janelas transparentes e a visão das lampadinhas piscantes, enfeites chineses, papais noeis de todos tamanhos e formas, que enchiam os olhos pela novidade. Eram enfeites muito baratos e espero que não tenham sido fruto de trabalho escravo. Esperança meio vã. Quem se lembrava deste detalhe frente ao espírito feliz do bom homem da Coca Cola? Pensando bem, quem foi Santa (Klaus)? Vê como mudou tudo? Onde está o espírito? Melhor perguntar “sobre que espírito estamos falando?”

Não mudou o detalhe que somos animais sociais e que durante nossa história aprendemos que louvar o bem, a bondade e a coletividade funciona, ajuda a todos, ajuda a cada um de nós. Faz bem para o espírito, para alma, enfim funciona. Mesmo com todas as dúvidas, questionamentos, mesmo com todos os erros, as visões diferentes sobre esta festa, ninguém põe em dúvida que é simpática, que faz bem. Por que não acreditar uma vez ao ano no bem?

Filosofar sobre o Natal é o fundo do saco. Eu prefiro acreditar em Papai Noel e procurar preservar a festa e seu espírito.

Um detalhe faz muita diferença em nossas vidas: a capacidade de ver. O número de luzes cresceu, a festa começa mais cedo por razões comerciais, mas ficou mais difícil de ver sua fantasia. Os modelos de carros modernos têm colunas largas, janelas cada dia menores em nome da segurança. Junte-se o patético vidro fumê e de dentro do carro não se vê praticamente nada. Outro dia andei num pequeno de última geração e mal pude ver a cor do céu. A maioria dos carros modernos não permite uma visão ampla da paisagem em nome de uma estrutura mais forte que os salve de uma colisão a 40 km/h em obstáculo inerte. Ganhamos a possibilidade de sair vivos de um acidente, mas o que alimenta nossa alma, o prazer da visão, é a cada dia mais deixado às cegas. Ver além do que está na via pode ser perigoso para condutor e passageiros. É como colocar viseiras. Nestas, a festa do Natal fica literalmente engarrafada, mas a vida poderá ser salva. Salva?

Ver por janela pequena é como ter alegria controlada ou ganhar como esmola uma discreta mentira momentaneamente salvadora. Não ver para não sentir; não sentir para não sonhar; não sonhar para ver a liberdade. Que sentido faz ficar protegido e ver a felicidade do lado de fora. A TV e a Internet que o diga.

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