quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Faz 50 anos de um namoro arrasador, na metáfora e literalmente.

Em 17 de dezembro de 2023 fez 50 anos que eu e Tina iniciamos um namoro que teve muitos momentos maravilhosos e acabou de uma maneira que hoje me arrependo e muito, muito mais que possa imaginar.

Fui convidado para uma festinha e no meio de uma meninada para lá de interessante, para lá de interessante mesmo, passou Tina, exótica, diferente, senhora de si, uma beleza quase única. Bomba! Antes e depois. Minha vida mudou.

Quem era eu? Prefiro não comentar! Ok, deixo de besteira, definitivamente não exatamente um adolescente comum, para dizer o mínimo. Outsider, hoje definiria.
Quem era Tina? Definitivamente não era qualquer menina de sua geração e nível social. Com um belo corpo, exótico, sensual, de trejeitos especiais, como o andar, firme, decisivo, sorriso contagioso, mãos de uma delicadeza única, e uma forma de ver a vida leve, muito alegre, socialmente ajustada, positiva, cheia de amigas, pessoas por perto sempre, família ajustada, leve agradável. Palavra de alguém muito apaixonado? Não! 
Alucinei com a vida que ela transbordava. Foi um norte seguro a seguir para quem estava um tanto perdido e e cia a vida por um viés um tanto negativo. Lutei muito por ela, durante anos. E consegui. Insistência pode ser um erro, e foi o maior erro de minha vida, e para ela também.

Primeiro passo, conseguir ficar junto, tê-la ao lado. Segundo passo prendê-la ao relacionamento. Não, não foram ações premeditadas, mas uma sequência de resultantes de uma luta desesperada para não perdê-la. 
Luta burra, erro estúpido, a tragédia que se seguiu carrimbou, melhor, tatuou o erro.

Dez anos lutando, momentos bons, principalmente na cama, ah! a cama! o carro, o sofá, o corredor..., onde fosse. 

Veio a separação. E veio a volta, ah! a volta, terreno minado onde a maioria se explode, inclusive eu, é lógico.
E da volta veio o casamento. Ah! o casamento! Bem que a família dela tentou evitar, e sinto que não tenha conseguido. Foram conversas amistosas, gente boa, equilibrada, ponderações sensatas. Quisera ouvisse.
Por alguma razão no altar sinos badalaram alto em minha consciência "freia esta relação aqui", mas a coragem ou sensatez, como sempre, tomam de goleada da paixão que se pretende amor. Ah! a imaturidade!

"Vocês tinham quantos anos? Não eram maduros", ouço ainda e não consigo aceitar.

Recife.
Bem vindos à vida a dois. Três meses e vinte dias depois o basta, separação. Ainda tenho a memória viva da conversa final, ela pedindo que eu não fosse porque estava doente, o que não acreditei. Antes deixar Recife conversei com a família dela lá, gente boa, e voltei para São Paulo. 

E, São Paulo, já entre os meus, que não falaram uma palavra, mas me deram apoio, acabei descobrindo o que realmente acontecera. Pelo amor que tinha por Tina, e aqui falo sobre amor, amor de verdade, nunca deveria ter casado. Casado, um erro, foi a melhor coisa ter me separado, principalmente para ela. 

Tina era o que chamavam então neuro depressiva, ou coisa semelhante, o que hoje se diz bipolar. Em Recife teve o primeiro surto depressivo, ou o que o valha. Foi rápido,  um tanto brutal,  e esta é a expressão correta,  e eu achei que tinha sido uma situação intempestiva, coisa do momento. Ela me contou em detalhes e o que fiz foi achar que eram águas passadas, sorrir e a convidar para comemorarmos. Concordo que não tinha qualquer conhecimento ou vivência para perceber ou entender a gravidade da situação, mesmo assim...

Eu não era a pessoa ideal para estar ao seu lado, muito longe disto. Ao mesmo tempo carrego o peso de tê-la deixado lá, mesmo que amparada pelos ótimos familiares. De nada serviu ou serve aqui que em São Paulo especialistas terem afirmado com todas letras que teria sido um erro maior ainda ter ficado lá com ela. 

Sou estéril, não tivemos filhos. Sorte.

Não consegui continuar escrevendo no dia e ano dos 50 anos, e não consigo continuar agora, quase um ano depois. Há detalhes que preservo aqui, por ela e pela família dela. Ela se foi faz muito. Hoje tenho certeza que não estaríamos juntos. 
Voltei a escrever sobre esta história depois que vi um clip de uma atriz com tanta beleza e força vital quanto a de Tina, coisa rara entre os comuns, mas não tão incomum entre bipolares. Hoje sei que esta força, melhor, explosão vital, faz parte da bipolaridade e vejo o clip que me traz a escrever este rezando para que a mágica explosão de vida da atriz seja interpretação, não resultado de processo clínico. Hoje se sabe o que é, a avaliação é quase certeira, ainda não totalmente precisa, mas bem assertiva. O tratamento, bem feito, funciona, mas apaga um pouco da beleza incendiária que só os fora da curva têm. 

Obrigado Tina. E não tenho como pedir desculpas. "Éramos jovens" cansei de ouvir. Não me justico por aí. Nem quero. Aqui se faz, aqui se paga. 

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Do Passeio Ciclístico da Primavera à Ciclo Faixa de Domingo

Um milhão de ciclistas pedalando em volta do Ibirapuera? Sim, e este foi o começo do fim do Passeio Ciclístico da Primavera.

Eu estava de bico no caminhão de som, o que hoje chamamos de trio elétrico, junto ao Secretário de Esportes, Bruno Caloi e toda tropa. Foi dada a largada, a massa de ciclistas começou a se movimentar e não acabava nunca. O speaker foi fazendo seu trabalho, nós cansamos de ver a massa se movendo e ficamos fofocando, até que alguém deu um grito "o passeio tá chegando", e do  eu lado falaram num tom preocupado "como assim?". Enquanto nós virávamos em direção aos que chegavam, outra massa, a de ciclistas ainda parados,  sequer tinha conseguido sair. A imagem foi impressionante e ao mesmo tempo assustadora. Teve quem quase entrou em pânico com o encontro das massas compactas, a que chegava fazendo a curva que dá para o Monumento às Bandeiras, e a multidão ansiosa a espera parada na av. Brasil. Eu desci do caminhão de som porque a coisa ficou tensa entre os organizadores. 
As fotos publicadas no dia seguinte em todos jornais, alguns de primeira página, falavam por si. A matéria falava em um milhão de participantes, o que contagens oficiais posteriores em domingos ensolarados de certa forma endossaram o milhão daquele último Passeio da Primavera realizado no circuito de um pouco mais de 4 km de avenidas no entorno do Parque Ibirapuera. Posso dizer que foi ao mesmo tempo maravilhoso e apavorante. 

No ano seguinte o Passeio Ciclistico da Primavera foi divido em dois, e mais para frente acabou no autódromo de Interlagos, é o que lembro. Perdeu a graça. Nunca mais participei. Óbvio que repetir aquela linda loucura não seria possível por diversas razões, tanto para organizadores quanto para os próprios ciclistas. Colocar um milhão de pessoas num mesmo lugar é complicado, em movimento é muitíssimo mais complicado. Lindo de se ver, mas insano.

Caio Pompeu de Toledo, secretário de lazer e esportes na administração foi quem fez acontecer. A ideia foi de um assessor, Caio (amigo da minha família que óbvio não lembro o sobrenome), e o projeto contou com o apoio imediato da Caloi. Os primeiros passeios foram quase intimistas, com o passar dos anos cresceu rapidamente, até chegar naquela maluquice do milhão.
Eram outros tempos. Para se ter ideia larguei minha bicicleta encostada em algum canto antes de subir no caminhão, ela ficou lá um tempão sozinha, sem tranca, e estava lá quando voltei. Bons tempos.

Para o setor, em especial para as bicicletarias era 'o' melhor momento do ano. Me lembro do meu caro Alberto, dono de uma grande bicicletaria no Itaim Bibi, dizer que tinha que se programar bem antes porque vinha uma enxurrada de bicicletas para fazer manutenção. O resto do ano? A maioria delas ficava jogada na garagem. 
Para se ter idéia, lá por 1990, alguns anos depois deste incrível evento, apareceu pela primeira vez um número: São Paulo tinha algo como 4 milhões de bicicletas, sendo que quando muito saiam para rua num domingo quente e ensolarado um milhão para um passeio. O resto ficava jogada tomando poeira. Outro número, algo em torno de 50 mil ciclistas circulando com regularidade, com detalhe importante, nos bairros de classe média e alta. Não periferia? Não faziam ideia, mas é certo que eram muitos muitos mais. Por que não sabiam? Por causa do horário de circulação, o que os tornou invisíveis para as autoridades.

Em 2007 Walter Feldman cria a Ciclo Faixa de Domingo, em consequência da grande quantidade de ciclistas aos domingos, um milhão segundo pesquisa CET, Caloi e da própria Secretaria de Lazer e Esportes comandada por Walter. A ideia veio do que estava sendo feito em Bogotá, o que não tira a genialidade do ação política, que no final das contas foi o que foi. A partir da Ciclo Faixa de Domingo o poder de reconhecimento da bicicleta perante autoridades mudou completamente.

terça-feira, 1 de outubro de 2024

Cucarachas


Dependendo da luz é uma coisa ou outra. Na luz correta é um trabalho forte, consistente. Na normal morre.
Como é ou são suas cores na luz? 

Saí pela manhã para caminhar pelas ruas de Roma, como tenho feito todos dias. Estou a uns 700 metros da Termini, a estação central de trens. O zoológico que circula pelas imediações, boa parte turistas, é o mais variado possível, percebe-se pelo falar, a forma de caminhar e não tanto pelo vestir. Quanto mais próximo da Termini, mais se acentua quem de fato é a pessoa e de onde vem, muitos estrangeiros. Os africanos, são os africanos, não só pela pele, mas pela forma de vestir, do caminhar, do se afirmar, que é patente mesmo quando fantasiados de europeus.

Fantasiados. Todos nós nos fantasiados, esta é a verdade. Europeu em tempo de frio, principalmente, se veste tudo muito parecido, o que se pode ler como "sou europeu como vocês que cruzam por mim nestas ruas". Socialismo embutido, juntos venceremos, ou efeito boiada, assim estou protegido, ou garantido. Ou tudo junto, mais um alto nível de escolaridade.
 
Somos todos cucarachas, pelo menos os nascidos ao sul do equador e vindos das Américas, leia-se abaixo da fronteira dos Estados Unidos, que é bem acima da linha divisória norte / sul. Vale para a América do Norte e para aqui,  Europa. Cucaracha. A diferença é que europeu é mais discreto.
"Não, não somos, isto é coisa dos imperialistas..." diriam e dizem os mais radicais e os que se acham. A verdade é que somos, cucarachas!, mas esta é uma outra história.

Tenho cara de Fritz, fora do Brasil e, muito pior, no Brasil. Não sou eu que digo ou queira ter cara de Fritz, mas é a voz comum que sempre vive me chamando de "alemão". Fritz, ponto final.  Na terra mãe isto me incomoda e muito. Nunca fui um brasileiro, lá, aí no Brasil, sou um cucaracha ao contrário. "Ô alemão" ouvi de montes e é das poucas coisas que me tiram do sério.

A vantagem que tenho nestas paragens, Roma, é que minha conversa com a italianada por aqui flui. O mesmo com outros europeus. No Brasil me sinto um marginal, um invasor, um cucaracha.


Há uma enorme diferença entre ser um poodle e um poodle que o pariu. O primeiro, o original, é conhecido pela sua sensibilidade e inteligência. O PQP também, com a vantagem de ser mais resiliente. Uma das vantagens dos cucarachas.

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Pescando boas conversas

No cruzeiro para Genova notei um casal de negros que sempre ficavam meio de lado, meio esquecidos, sentados numa mesa vizinha. Seus companheiros de mesa deviam ter outros horários, nunca os vi por lá. Nos primeiros dias da viagem ficamos sentados no almoço com quem era designado sentar pelo navio, um casal classe média da Nova Zelândia que falava um inglês difícil de entender. Com eles e com a mesa mais próxima a conversa insossa sempre, o que era de se esperar de casais daquele nivel social em viagem pelos mares. Para eles tudo era deslumbrante, nada além do que vivenciaram em outras viagens, lugares maravilhosos segundo cada um, filhos, netos, a vidinha do dia a dia, e principalmente sempre voltando ao ponto de quantos cruzeiros cada um ou casal havia feito, uma  competição pela maior estante de troféus.

Almoçávamos cedo, dos primeiros a entrar e sentar no restaurante. O casal negro também. E ficávamos sós, cada um em sua mesa. Começamos a trocar conversas a distância, mas perdíamos parte do falávamos pelo tagarelar alto de outras mesas. Pedi e trocamos de mesa. Sim, se deve pedir ao metre, é tudo muito organizado, ou o que seja. 
Cariocas, eles são cariocas, casal carioca, bem carioca, conversa livre de quem juntou para estar lá, gente que não diz, mas está deslocada, meio perdida, pronta para o que vier. E lá se foram as curiosidades de ambas as partes, sem preocupações com limites, mas guardando limites. Desbocados, mas com cuidados, conversa de botequim. Onde moram, filhos, trabalho, para onde vão..., todas as perguntas triviais, mas agora cheias de curiosidades mais profundas. O resumo poderia ser: como é o planeta de vocês? 

Chegamos a Genova e nos cruzamos uma última vez empurrando as malas pelas calçadas esburacadas. Agradeci mais uma vez o livro que ele me deu, de sua autoria. Quis marcar um jantar, mas a viagem deles era corrida, toda estabelecida previamente. Confesso que senti. De volta ao Brasil li o pequeno livro de sua autoria. Forte. Histórias com final não feliz. Gostei, só senti tê-lo ganho já no momento do desembarque. Tivesse lido durante a travessia teria muito a conversar.

Aeroporto de Montreal. 
Cena um: 
- Você vai tomar expresso aqui? 
Estávamos no gate, com tempo para o embarque.
- E por que não?
Foi um melhores expressos que tomei na vida. Um não, dois. Vale a lembrança.
Cena dois: 
Terminado o segundo e delicioso expresso, que não faço ideia porque tão bom, fomos nos sentar um pouco mais distante, fora da confusão criada pelos ansiosos. Sentamos nas duas primeiras cadeiras da fileira. Logo em seguida vem um senhor acompanhado por quatro homens um pouco mais jovens e sentam ao lado. Caixa de instrumento musical com eles, pergunto idiota se são músicos, e a partir dali começamos uma conversa sobre vida de músico, família, viagens, como se nos conhecêssemos há tempo. No som do aeroporto avisam sobre o embarque dele que se despede e vai.
Em NY, já no quarto do hotel, malas ainda fechadas e TV já ligada nas notícias para pegar embalo no inglês. E a cara do senhor com quem conversei no aeroporto de Montreal entra sorridente em tela cheia, Chick Corea, show de ingressos esgotados em Boston.

Voo para Roma. Diabético sento na última fileira, poltrona do corredor, próximo à água e ao banheiro. Ao meu lado um senhor e uma senhora que não abrem a boca. Ela se atrapalha e ofereço ajuda em inglês, acabo descobrindo que é brasileira. Ele coloca o mapa da viagem na telinha e gruda os olhos nela da decolagem até a aterrisagem. UAU! Na parca comunicação acabo sabendo que ele é juiz de comarca de cidade média grande e ela orgulhosíssima de não fazer nada na vida a não ser ser orgulhosíssima do marido, homem muito respeitado em sua cidade, segundo ela, meio perua, agitada, desesperada com a perda de seus óculos "muito caros". "Deixei na loja onde comprei esta bolsa", diz remexendo tudo.
Onze horas de viagem, decolamos, não importa como eu tente engrenar numa conversa para passar o tempo, não há forma, dali não sairá inteligência. O que mais me espanta é que há um abismo de vivência entre nós dois. Não me sai da cabeça que um respeitado juiz de uma cidade relativamente grande possa julgar algo com menos estofo do que tenho. Lembro do jornalista da Rádio Bloomberg que conheci em Nashville, um sujeito de conversa rica, pensamentos claros, objetivos, um dos poucos que ficou no ar no pós 9/11, mas quando perguntei o que conhecia de Europa ele respondeu que só esteve na Espanha por uns dias como turista. A resposta, dada como a coisa mais normal do mundo, para mim foi espantosa. Como pode um dos respeitados jornalistas dos Estados Unidos ter uma visão clara de seu próprio país se praticamente nunca saiu dele. Como pode um juiz julgar alguns processos se o nariz dele nunca desgrudou do código civil?

Na primeira fileira, lá longe, na outra ponta de onde viajo, levanta o alto Demétrio Magnoli. Comento com o juiz, que não faz ideia de quem se trata. Acho estranho, mais que isto, meio deprimente. Não o culpo, sou tão ignorante quanto. 

Encontro com Magnoli na porta do banheiro. Trocamos breves frases. Incrível, ele conheceu meu irmão. Espero que um dia tenha a sorte de parar e conversar. A questão aí será controlar minha admiração e respeito para fluir a conversa.

Roma. Sou levado a um jantar na casa de um respeitado diretor teatral. A conversa é muito rica, ouço quieto dentro de minha ignorância. Final de jantar entram numa discussão sobre política, todos de esquerda, mas cada um em sua esquerda, ou em seu discurso conveniente para a situação e para o anfitrião. Ninguém cruza as palavras do outro, ninguém levanta a voz, as posições são colocadas na mesa com civilidade. É uma troca de ideias. Como foi bom. Só o tiramissu não valeu a pena, mas foi caro, eu que levei.

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

O ódio como princípio

A briga entre os dois foi num crescente até virar uma carnificina judicial. A cada movimento de um, mesmo que inocente e inconsequente, seguiu-se uma reação enlouquecida e consequente do outro, numa batalha judicial sem fim, não por um resultado que colocasse fim às dores próprias, muito menos do outro, mas provasse a todos os não involvidos quanto era grande o ódio pelo outro e como este seria destruído.
E um dia veio de um amigo a pergunta: "Bom, e daí, quando você conseguir exterminar, o que vai fazer de sua vida?" Não houve resposta, mas um profundo silêncio. Levantou um pouco a cabeça, mais permaneceu em silêncio doloroso, com olhar perdido e aí, confuso, respondeu com voz engasgada: "Como assim?".

O ódio como princípio governou a humanidade por toda a história. Mesmo o surgimento da imprensa e com ela o espalhar dos conhecimentos a situação pouco mudou. Pouco ou nada interessa buscar conhecer um pouco das razões do outro, ou bem mais complicado, das próprias razões, muito mais simples, fácil e imediatista é continuar sendo quem sempre foi. O culpado sempre é o outro que não sabe nada.  

Você sabe com quem está falando? Impossível dizer quantas vezes ouvi esta ameaça, poucas direcionadas a mim, 'n' impostas a um terceiro sempre mais frágil ou pobre. Deprimente. Quando dita com todas letras ou quando insinuada.
O ódio como elemento de poder, eis a questão. Sociedade com resquícios escravagistas. Manter o poder a qualquer custo, nem que seja no blefe.
A frente um senhor de vestes simples que desceu do ônibus vindo da periferia joga um plástico no chão. A jovem que vem atrás pega no chão,  dá uns passos rápidos, toca no ombro do senhor, que se vira.
- O senhor deixou cair isto, diz ela estendendo o plástico para ele.
- É lixo, pode jogar no chão, responde ele
- Tem uma lixeira logo ali, diz ela desgostosa 
- Joga aí no chão,  minha filha, que lixeira pega.
- Mas o lixo é logo ali...
- O menina, você sabe com quem está falando? responde ele muito irritado.

Chove torrencialmente, os semáforos apagaram. Um funcionário da CET e um homem novo conseguiram soltar o nó que havia se formado e o trânsito no importante cruzamento da avenida voltou a fluir. Todos respeitam os dois que ensopados tentam ajudar. Mas vem um carro bonitão, não respeita o homem, passa perto e quase atropela. O homem xinga e gesticula. O carrão freia, engata a ré, chega perto, abrem-se as portas e descem dois que aos urros se dizem policiais. Caminham ameaçadores em direção ao homem. Passam por senhor muito bem vestido, bela capa inglesa e guarda-chuva na mão.
- Ou vocês dois entram no carro e desaparecem, ou vão terminar dando uma voltinha comigo, e não vão gostar, diz ele com voz calma, firme e baixa.
Os dois param, olham assustados, dão meia volta, entram no carrão e somem.
O homem que ajuda no cruzamento vai agradecer, o senhor com a mesma voz impassível pede que ele volte para casa e tome um banho quente.
- Você já ajudou muito. Cumpriu seu dever.

Todo domingo tinha uma pelada no campinho da USP. Nos reuníamos, contávamos as novidades, dividíamos para lá e para cá e começava a diversão. Um outro um pouco mais afoito, uns poucos levando mais a sério e Sílvio (nome fictício). Homem educadíssimo antes de começar a partida, cheio de gentilezas, formalidades, mas bastava começar a partida e demora se transformava num monstro, no jogador mais desagradável possível. Jogava muito bem, com certeza dos melhores, e olha que no timinho de amigos jogavam ex profissionais de times grandes, Palmeiras inclusive. Foram muitos domingos desagradáveis, terminada a partida e cada um para seu canto sem que ninguém falasse uma palavra para o estraga prazeres. 
Um dia ele realmente passou dos limites e quase partiu para a agressão física. Foi peitado por um dos jogadores que colocou as mãos para trás e disse que ficaria só na conversa, que se ele, Sílvio, quisesse que o espancasse, mas não reagiria. Silvio picou a camiseta do desafeto e saiu de campo para nunca mais voltar. 
Meses depois descobrimos que ele foi jogar com o pessoal que jogava a sério, em campo oficial, tudo jogador do Desafio ao Galo, zero brincadeira. E, triste, descobrimos quando um dos ex profissionais que se divertia junto com a gente o viu, de fora do campo, ele ser espancado por 21 dos que estavam na partida, ou seja, todos dos dois times, o de Sílvio e o outro. Acabou na UTI. Quem o viu diz que voltou aos seus dias, ou momentos, de extrema gentileza e educação.

Como frear uma pessoa que tem um ódio incontrolável? 
Depois da cadeira voadora fica a pergunta: como distinguir ódio incontrolável de canalhice aproveitadora completa?
  

terça-feira, 10 de setembro de 2024

O Brasil queimando: o que não sabemos?

Fórum do Leitor 
O Estado de São Paulo 

O Brasil queimando.

A população cumpre sem saber ao certo ou sem acreditar na eficiência do que tem ou é obrigado a fazer. Os exemplos são inúmeros, tantos que podem ser considerados regras sociais brasileiras. Não resta dúvidas que a importancia da questão ambiental ainda é um tema que não chegou até a maioria da população de baixa renda, boa parte vinda de um passado de pobreza no campo. Campo, verde e pobreza tem uma ligação intima na cabeça de boa parte da população, e com toda razão. Mas é também certo que o bom entendimento sobre a gravidade do problema ambiental não está claro em todos níveis sociais e econômicos. Chique mesmo é ter uma casa num condomínio fechado, murado, no interior, cheio de ruas, casas enormes gramadinhas e seguranças por todas as partes onde antes era uma fazenda ou mesmo mata. Revolucionário é tomar áreas públicas, praças, pequenas reservas, ou, pior, corregos e nascentes em nome não só de moradias para os miseráveis.

Zé Gotinha todo brasileiro sabe quem é e, tirando os alucinados, todo respeita sem titubear. O conceito foi assimilado. O grau de civilidade dentro do metro de São Paulo é outro dentre tantos exemplos de conceito bem assimilado. 

Brasileiro realmente entende a gravidade do Brasil pegando fogo? Entende as consequências? A fumaça nas cidades passa. Sabem distinguir a questão de suas necessidades de tocar fogo para facilitar o trabalho ou livrar-se de algo que consideram lixo ou descarte? Tenho minhas sérias dúvidas.

Incêndios: Amir Klink alertou faz muito que o problema da poluição nos mares não é o plástico que se vê, mas o que não se pode ver (micro plásticos). O que não se está olhando nem vendo em relação aos incêndios, ou no "toca fogo no Brasil"? Agora, todas consequências além do fogo e clima não se fala. Não passamos e muito do ponto de começar uma discussão profunda sobre o que está acontecendo e o que vem pela frente?

Lobos nos Estados Unidos foram perseguidos e caçados até quase a extinção. Era a solução mais lógica para os fazendeiros americanos (assim como são as queimadas por aqui). Os rios secaram, o verde desapareceu, outros problemas se sucederam até afetar  produtividade humana. A solução de todos problemas veio com o retorno dos lobos, o ponto de equilíbrio do eco sistema. Temos conhecimento aqui no Brasil que possa definir um plano de recuperação de nossos sistemas? Talvez, mas quem sabe, quem conhece é ouvido? Como vender a ideia para a massa?

Qual é o plano de proteção preventiva para Cantareira, Capivari-Monos, Serra do Mar, Mata Atlântica, que circundam a região metropolitana de São Paulo? por exemplo.

E, muito importante, urge ouvir a nova direita e terraplanistas sobre o que eles pensam e como eles agiriam caso estivessem no poder lidando com esta loucura? Lembrando que o Brasil está dividido e a possibilidade da volta daquele pessoal não pode ser descartada.

Ou seja, estamos diante de uma situação gravíssima onde só são mostradas as queimadas e incêndios e seus resultados. Sim, boa forma de sensibilizar a massa, mas perigosa porque uma hora cansa.
Acreditar que o povo é completamente estúpido é um erro comprovado. Tem de tudo. O que falta é começar a trabalhar o "e o que mais?". Mesmo o mais estúpido dos estúpidos vai entender e agir corretamente, basta não fazer uma comunicação estúpida. 

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Seja chato. Ou vai cometer o mesmo erro que cometi: desistir?

Estou limpando os meus rascunhos, a maioria vou publicar, mesmo consciente que se pensasse em público não deveria.

Faz algum tempo tenho sido atropelado por minhas próprias ações. Não faz muito fui atropelado por um erro grosseiro de posicionamento familiar que me deixou estendido na cama, muito pior que se tivesse sido atropelado por uma betoneira. A zonzeira pós o infeliz ocorrido durou até o dia que me olhei no espelho e sorri: "Ok! Errei pesado, mas estou livre. Estou consciente e não estou nem um pouco a fins de repetir a mesma besteira de novo", e pensei isto com uma certeza que poucas vezes na vida tive.
Um dia, no meio de uma festa, tive uma morte - literalmente. Provavelmente minha glicemia zerou por alguns minutos. Voltei ao normal sem me dar conta do que tinha acontecido. No dia seguinte passei por um jardim que eu via todos dias, parei, voltei para trás e me dei conta que eu nunca tinha visto aquele jardim, aquelas flores, folhagens, arbustos, insetos..., nunca com tanta consciência. Até então eu vivia, a partir de então eu passei a viver, há uma monumental diferença aí. Mais ou menos a mesma coisa que aconteceu agora.
Aviso aos navegantes: fui atropelado emocionalmente e não fisicamente. Minha bicicleta está bem, inteira, bonitinha e funcional como sempre. Também não fui atropelado caminhando. A bem dizer, atropelei-me. 

Sou magro, alto, e não tenho um corpo forte, muito pelo contrário. Adorava jogar futebol, jogava como líbero, na frente da defesa. E cheguei a jogar algumas partidas com jogadores que participavam do campeonato municipal de várzea, o que é futebol para valer, sem moleza ou cordialidades. Lá ou você aprende a se posicionar como homem ou está morto, vão passar por cima de você, isto se não te machucarem só por diversão. E aprendi a ser respeitado, a ter uma postura que não permitisse que passassem por cima de mim. Infelizmente o aprendizado não foi replicado no dia a dia do trabalho, nem na minha vida social e de família.

Com um perfil muito crítico e um tanto agressivo, ou arrogante, ou sei lá o que, ou tudo junto, decidi que para não criar mais problemas para mim e para os outros tinha que abaixar a cabeça e aceitar o posicionamento do outro. Erro estúpido, erro grosseiro, se arrependimento matasse eu estaria morto, enterrado e virado cinzas. 

Um neto, pré adolescente, o segundo mais alto da classe, forte feito um cavalo para sua idade, outro dia foi empurrado para a grade por um baixinho, e não reagiu. Por que? Medo de machucar o baixinho aceitou a situação. Ups!

É muito difícil saber colocar-se bem numa sociedade, mais ainda nesta baderna que vivemos. Vivemos uma redefinição de valores que navega sem bussula por mares atormentados. Que seja. Mesmo em sociedades mais calmas e estáveis posicionar-se bem socialmente não é para qualquer um, mas se não é fácil, pelo menos que não se cometa erros crassos. 

Olho para trás e fico impressionado com o que consegui se comparado com o que poderia ter conseguido se não tivesse sido tão "bonzinho". Arreganhar os dentes de vez em quando faz bem, ô!, como faz.  

"Os chatos sempre conseguem mais", a frase não é minha, mas cabe bem aqui ou em qualquer momento da vida. Entenda-se, chato é o que corre atrás, o que persiste, insiste, mas... com jeitinho, educação, com respeito pelo próximo.
Peça! Reinvidinque! Proponha! Insista! se for necessário arreganhe os dentes. Seja um chato (sem exclamação! com exclamação é muito chato, aí fica chato e nada pior que um chato).

Aprenda a se posicionar socialmente. Se acha que sabe, cuidado! Olhe-se no espelho. 
Não fique em silêncio.

Aparte: rede social, como é comumente usada, não é posicionamento, mas vômito.