quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Eu sou o sol

Eu sou o sol. O sol sou eu. Música maravilhosa de Jorge Ben. 
Não me lembro da letra completa, mas o refrão é  maravilhoso, perfeito. Eu!

A cidade, a população, os indivíduos.

Roma. Cidade eterna. Italianos. Romanos, romanos. Cada um com suas peculiaridades, tudo junto, um sol, varios planetas circundando. O sol da cidade eterna, que por eterna é o sol em si. O sol da Itália, e dos italianos. Dependendo de que cidade, eles negam, tem seu próprio sol e ponto final. Roma foi outro Império,  portanto outro planeta. O dos romanos, começando pelo seu falar peculiar, italiano ma non troppo, romano da vero. O sol de cada um que brilha para todos, discretamente selfie para cada qual.

Roma está uma cidade eterna que urge mudar. Parou no tempo, bom por um lado, perigoso por outro. A modernidade mais que chegou pelo planeta Terra, massacra quem não se adaptar a ela. Roma, ainda um pouco vivendo como no final do Império Romano, trânsito rápido e agitado entre monumentos históricos que se espalham por todos lados. A memória está mais presente que o futuro. O Prefeito está trabalhando para tirar a cidade, leia-se população, deste pensar inercial, o eu sou romano, sou história, eu sou o sol do passado, de um grande passado, talvez do maior da história humana. Mas passado. Por do sol não ilumina as almas. A telinha digital pelo menos os rostos as ruas meio escuras ilumina. É mais que alguma coisa, é o novo sol, a meu ver falso, pueril, enganoso, mas o centro deste novo universo, mais poderoso que a Roma de seu grande Império.

Renato, onde estou hospedado, afirma com todas as que tem que ser direto e sob a batuta das regras digitais. A I.A., inteligência artificial, está aí para ficar, diz ele. Está certo. É o novo sol. Roma que se cuide.
Renato me mostrou como funciona a coisa, leia-se I.A.. Você digita um texto em português claro, formal, explicando sem deixar dúvidas o que você precisa e o I.A. pensa por você. Ou, dizem, trabalha por você. O I.A. coleta todas as informações existentes no mundo virtual e faz uma beleza para seus olhos. Ele é o sol. Viva nossa preguiça na espreguiçadeira, só parece que esquecemos o protetor solar. 

Acho que o I.A. está atrasado. As ideologias oferecem exatamente o mesmo resultado sem a necessidade de digitar uma explicação prévia. O sol que ilumina a tudo é sempre a ideologia pronta. Ou dá fé sega 3 inabalável. Um dia o I.A. ainda chegará lá. Ou estou sendo ingênuo ou não quero crer que a partir de agora seremos devorados  pela religião, a ideologia e o I.A.? Devorados é muito? Controlados, melhor? Pode falar em anulados? Não? Pois é, adorável mundo novo.

Eu sou a revolução! Eu sou o sol! O sol sou eu.
Selfie!

Um dia o I.A. vai ser tão populista quanto as ideologias obsoletas. Obsoletas? Desculpem, não posso, não devo, não direi isto. Minha culpa, minha culpa, minha máxima culpa! 

MTV. Music Television. Eu sou o sol! 
Sou diferente. Eu sou o sol!
A revolução sou eu, meu sol é o que aquece os corações e trará o bom futuro. Terei direito de não querer? Duvido. Se o fizer serei literalmente cancelado. Muitos já os são.

Selfie!

A cidade eterna tem que se modernizar, não resta dúvidas. Está largada e não de hoje. Problemas são muitos, visíveis. Começo pelas calçadas, esburacadas, sujas... Da última vez que estive aqui nem lata de lixo se encontrava pelas ruas. O pequeno rato desesperado que cruzou a rua e distraído atropelou a canela da senhora não foi o único que vi desembestado. Ratos romanos! Devem ser chiques, patrimônio histórico.

Roma está obsoleta. Neste mês que fiquei, ou estou, aqui não ouvi uma conversa entre os romanos sobre modernizar. Eles querem viver a vidinha deles, que aliás é para lá de gostosa. Os ratos que o digam.

Eu sou o sol, eu sou o indivíduo, eu tenho e mereço o calor de meus direitos irrevogáveis. Assim caminha a humanidade. Funcionou até aqui e deve funcionar para o futuro. O ponto é a velocidade que se pretende ou que se impõe, esta nunca tivemos.

Estamos sendo jogados em algo imprevisível. A única coisa que se sabe é que o sol continuará a brilhar, com ou sem vida na terra.

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Poluição de Roma

Diferente a poluição de Roma. É branca e grudenta. A princípio pensei que fosse gordura da cozinha, mas definitivamente não é. Vem com o ar, sei lá de onde e do que.

Um pouco antes de deixar São Paulo, depois de mais de um mês sem chuva, quando esta veio, a água captada pelo tonel de minha casa era muito suja, preta como nunca vi, horrorosa. Mesmo morando próximo ao terminal Pinheiros fiquei assustado. Sabia que a poluição estava feia porque tinha que tirar pó num dia, dia seguinte tinha que tirar de novo, e assim todo dia, bastante. Mas não esperava que a água da chuva caída no telhado viesse tão preta e nojenta quanto veio.

Não fui atrás do que gera esta poeira grudenta aqui de Roma, mas desconfio que seja resultado da quantidade de motos e scooters, que poluem mais per capta que automóvel. Sei lá, só um chute. 

“A exposição média dos residentes de Roma às PM2,5 anuais é mais de três vezes maior do que o sugerido pela OMS. Reduzir a poluição do ar de acordo com as diretrizes da OMS poderia não apenas melhorar a saúde do cérebro, mas também reduzir a demanda por serviços psiquiátricos pós-pandemia já sobrecarregados.”

O ar de Roma é leve e inodor, diferente do de São Paulo que em locais congestionados é pesado e tem cheiro forte. A outra diferença se vê no colarinho. Tal qual em Paris, aqui em Roma você usa uma camiseta branca por dias e não tem aquela mancha preta dura de tirar na lavagem, sujeira tipicamente paulistana.

Inexiste veículo soltando fumaça pelas ruas. Todos devem passar por vistoria periódica, típica da Europa. Óbvio que é necessária e faz muita diferença. O máximo é sentir cheiro de gasolina dos poucos carros de colecionador que são usados para passear turistas. 
Sentir gasolina no ar era comum antes dos motores à injeção eletrônica. Eu achava o máximo aquele cheirinho daquela fumadinha de cano de escapamento, símbolo de liberdade, velocidade, emoção,  viagem..., e outras coisas mais daqueles tempos. O desaparecimento do carburador foi uma benção não só para a economia de combustível, mas principalmente para as emissões de poluentes. 

O que me pergunto é se a poluição de Roma é só resultado dos veículos a combustão. Duvido. Motos e scooters, que aqui tem de montão?
A ciência diz que duas rodas motorizadas a combustível fóssil poluem mais que automóvel. A questão é que as daqui, Roma e Itália, estão todas reguladinhas, funcionando perfeitamente, sem escape aberto, barulhento, diferente do que se vê e sente em São Paulo.

A bagunça italiana é outra. Todos mundo tem seus males, defeitos e erros, mas nós caprichamos em tudo. 

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Sentir-se seguro e estar seguro: não misturar coisas. O exemplo de Roma

 


O trânsito da Itália é a prova cabal que há uma diferença entre estar seguro e sentir-se seguro. O trânsito de Roma tem uma fluidez que parece caótica, e de certa forma é, que dá sensação de insegurança, o que não condiz com a verdade dos fatos. Eles param para pedestres! Ou deixam cruzar a rua! O que é quase a mesma coisa. No fim das contas, chega-se do outro lado da rua sem ser atropelado. Mas aqui em Roma, pelo menos até se acostumar com os usos e costumes locais, vida de pedestre é com alguma emoção.

Pelas ruas se vê ingleses, alemães, suecos, americanos e gente de outros países de trânsito bem organizado que ficam em pânico até entenderem como é o jogo. Em seus países o trânsito para nos dois sentidos no momento que o pedestre põe o pé  no asfalto até quando ele sobe na calçada por completo. É o correto? Sim. Pode ser. Talvez?

Em Roma não, os carros param só quando o pedestre está na linha de frente para o capo do carro. E o pedestre segue assim até chegar na calçada do outro lado. Saiu da frente do carro, ele começa a se movimentar. Não se preocupe com motos, scooters, patinetes, e bicicletas que vão passar pela frente e por trás e que só pararão quando for inevitável. Mas param. Parece uma loucura, mas acreditem, cruzar a rua nesta bagunça é seguro. As velhinhas simplesmente invadem a pista e seguem em frente. Mata a velha não rola por aqui. As "mamma" são tudo querida. Sem elas não tem macarronada!

Tem semáforo para pedestre em Roma? Tem, óbvio tão demorado quanto em Sao Paulo. Mas aqui o povo 'guenta até dar verde. E onde há, a brincadeira é exatamente a mesma de onde só tem faixa de pedestre. Não entedeu? Volte ao parágrafo anterior. Resumindo (e sendo educado), se a conversão for permitida os veículos só param se o pedestre estiver na mira.

Limite de velocidade? Creio que tenha, mas é um mero lembrete, ou coisa que o valha, como contei num outro post. As motos e scooters aceleram sem dó, nem ré, mi, fá. Sol, lá, si, do então... nem dizer. Seria muito mais agradável se não acelerarem tanto e tão rápido  e  mantivessem uma velocidade constante, baixa, de preferência. Menos a ver com, segurança, muito mais com incomodo sonoro.

Domingo passado saí  pedalando pela cidade, longe da área turística, que em qualquer parte do planeta sempre é complicada. Roma praticamente não tem ciclovias ou ciclofaixas. Perigoso? Não, aí sem piada. O mesmo que pedalar é Paris ou NY. 
 
O trânsito da Itália é uma loucura? Pode ser, depende de quem o vê.  O ideal seria que fosse menos fluído. Mas é inseguro? Pelo menos aqui em Roma não é, mesmo que pareça o contrário. 
Roma me fez entender mais uma vez que há uma enorme diferença entre parecer inseguro e ser inseguro. O ideal é que pareça é seja seguro. 

Num trânsito como o brasileiro, que no geral parece e é inseguro, o entender o que é insegurança fica complicado. O que leva a um segundo ponto, o da narrativa distorcida sobre o que segurança e mais distorcida ainda sobre como se construir um trânsito menos agressivo. Seguir acreditando que impor segurança goela abaixo de uma sociedade viciada trará resultados imediatos é de uma cegueira sem-fim. 

A saber, quanto maior o número do ranking, melhor é a segurança. Brasil é o 97°. Suécia o 174°. Holanda, uma de nossas referências prediletas, 172°




sábado, 19 de outubro de 2024

Sobre o apagão: o iceberg é o culpado

O Estado de São Paulo
Fórum do Leitor 



A opinião do Estadão, "Enel, uma vilã muito conveniente" toca num ponto crucial, as agências reguladoras, que há muito não regulam bem, e não é só no setor de energia. Estou na Itália e a diferença de qualidade da internet para a nossa é enorme. O Prefeito de Roma não está feliz com o que a cidade oferece aos cidadãos e está empenhado em melhorar muito.

Em São Paulo, uma das cidades mais ricas e importantes do mundo, mesmo sem chuva, uma hora caí a energia, com ela a internet, outra hora as grandes empresas estão fechando e internet e celular voltam ao sistema discado, outra hora os técnicos não sabem onde está o cabeamento, outra hora... 
Parece que não há o mais remoto interesse por parte das autoridades em ter Agências Regulatórias que regulem bem da cabeça. Por que será?

Nas reportagens sobre os problemas de energia não se fala uma palavra sobre o boom imobiliário e as consequências nos sistemas de distribuição de serviços. Também não se fala uma palavra sobre gatos e inadimplência. Nem sobre funcionários da Enel ameaçados de agressão ou agredidos. Nem tão pouco sobre problemas elétricos causados pela própria população. Tão pouco se há alguma preocupação das agências reguladoras com a realidade.

A Enel tem suas responsabilidades? Óbvio que sim. O excelente texto do Estadão aponta para a ponta do iceberg que há tempo rasga nosso casco. A culpa é, de fato, do iceberg, como dizem os comandantes e acreditam piamente os passageiros. Viva o SS Populista navegando por águas sempre calmas.

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Faz 50 anos de um namoro arrasador, na metáfora e literalmente.

Em 17 de dezembro de 2023 fez 50 anos que eu e Tina iniciamos um namoro que teve muitos momentos maravilhosos e acabou de uma maneira que hoje me arrependo e muito, muito mais que possa imaginar.

Fui convidado para uma festinha e no meio de uma meninada para lá de interessante, para lá de interessante mesmo, passou Tina, exótica, diferente, senhora de si, uma beleza quase única. Bomba! Antes e depois. Minha vida mudou.

Quem era eu? Prefiro não comentar! Ok, deixo de besteira, definitivamente não exatamente um adolescente comum, para dizer o mínimo. Outsider, hoje definiria.
Quem era Tina? Definitivamente não era qualquer menina de sua geração e nível social. Com um belo corpo, exótico, sensual, de trejeitos especiais, como o andar, firme, decisivo, sorriso contagioso, mãos de uma delicadeza única, e uma forma de ver a vida leve, muito alegre, socialmente ajustada, positiva, cheia de amigas, pessoas por perto sempre, família ajustada, leve agradável. Palavra de alguém muito apaixonado? Não! 
Alucinei com a vida que ela transbordava. Foi um norte seguro a seguir para quem estava um tanto perdido e via a vida por um viés um tanto negativo. Lutei muito por ela, durante anos. E consegui. Insistência pode ser um erro, e neste caso foi o maior erro de minha vida, e para ela também.

Primeiro passo, conseguir ficar junto, tê-la ao lado. Segundo passo prendê-la ao relacionamento. Não, não foram ações premeditadas, mas uma sequência de resultantes de uma luta desesperada para não perdê-la. 
Luta burra, erro estúpido, a tragédia que se seguiu carimbou, melhor, tatuou o erro.

Dez anos lutando, momentos bons, principalmente na cama, ah! a cama! o carro, o sofá, o corredor..., onde fosse. 

Veio a separação. E veio a volta, ah! a volta, terreno minado onde a maioria se explode, inclusive eu, é lógico.
E da volta veio o casamento. Ah! o casamento! Bem que a família dela tentou evitar, e sinto que não tenha conseguido. Foram conversas amistosas, gente boa, equilibrada, ponderações sensatas. Quisera ouvisse.
Por alguma razão no altar sinos badalaram alto em minha consciência "freia esta relação aqui", mas a coragem ou sensatez, como sempre, tomam de goleada da paixão que se pretende amor. Ah! a imaturidade!

"Vocês tinham quantos anos? Não eram maduros", ouço ainda e não consigo aceitar.

Recife.
Bem vindos à vida a dois. Três meses e vinte dias depois o basta, separação. Ainda tenho a memória viva da conversa final, ela pedindo que eu não fosse porque estava doente, o que não acreditei. Antes deixar Recife conversei com a família dela lá, gente boa, e voltei para São Paulo. 

E, São Paulo, já entre os meus, que não falaram uma palavra, mas me deram apoio, acabei descobrindo o que realmente acontecera. Pelo amor que tinha por Tina, e aqui falo sobre amor, amor de verdade, nunca deveria ter casado. Casado, um erro, foi a melhor coisa ter me separado, principalmente para ela. 

Tina era o que chamavam então neuro depressiva, ou coisa semelhante, o que hoje se diz bipolar. Em Recife teve o primeiro surto depressivo, ou o que o valha. Foi rápido,  um tanto brutal,  e esta é a expressão correta,  e eu achei que tinha sido uma situação intempestiva, coisa do momento. Ela me contou em detalhes e o que fiz foi achar que eram águas passadas, sorrir e a convidar para comemorarmos. Concordo que não tinha qualquer conhecimento ou vivência para perceber ou entender a gravidade da situação, mesmo assim...

Eu não era a pessoa ideal para estar ao seu lado, muito longe disto. Ao mesmo tempo carrego o peso de tê-la deixado lá, mesmo que amparada pelos ótimos familiares. De nada serviu ou serve aqui que em São Paulo especialistas terem afirmado com todas letras que teria sido um erro maior ainda ter ficado lá com ela. 

Sou estéril, não tivemos filhos. Sorte.

Não consegui continuar escrevendo no dia e ano dos 50 anos, e não consigo continuar agora, quase um ano depois. Há detalhes que preservo aqui, por ela e pela família dela. Ela se foi faz muito. Hoje tenho certeza que não estaríamos juntos. 

Voltei a escrever sobre esta história depois que vi um clip de uma atriz com tanta beleza e força vital quanto a de Tina, coisa rara entre os comuns, mas não tão incomum entre bipolares. Hoje sei que esta força, melhor, explosão vital, faz parte da bipolaridade e vejo o clip que me traz a escrever este rezando para que a mágica explosão de vida da atriz seja interpretação, não resultado de processo clínico. Hoje se sabe o que é, a avaliação é quase certeira, ainda não totalmente precisa, mas bem assertiva. O tratamento, bem feito, funciona, mas apaga um pouco da beleza incendiária que só os fora da curva têm. 

Obrigado Tina. E não tenho como pedir desculpas. "Éramos jovens" cansei de ouvir. Não me justifico por aí. Nem quero. Aqui se faz, aqui se paga. 

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Do Passeio Ciclístico da Primavera à Ciclo Faixa de Domingo

Um milhão de ciclistas pedalando em volta do Ibirapuera? Sim, e este foi o começo do fim do Passeio Ciclístico da Primavera.

Eu estava de bico no caminhão de som, o que hoje chamamos de trio elétrico, junto ao Secretário de Esportes, Caio Pompeu de Toledo, Bruno Caloi e toda tropa que mandava a bicicleta. Foi dada a largada, a massa de ciclistas começou a se movimentar e não acabava nunca. O speaker foi fazendo seu trabalho, nós cansamos de ver a massa se movendo e ficamos fofocando, até que alguém deu um grito "o passeio tá chegando", e do  meu lado falaram num tom preocupado "como assim?". Enquanto nós virávamos em direção aos que chegavam, outra massa, a de ciclistas ainda parados,  sequer tinha conseguido sair. A imagem foi impressionante e ao mesmo tempo assustadora. Teve quem quase entrou em pânico com o encontro das massas compactas, a que chegava fazendo a curva que dá para o Monumento às Bandeiras, e a multidão ansiosa a espera parada na av. Brasil. Eu desci do caminhão de som porque a coisa ficou tensa entre os organizadores. 
As fotos publicadas no dia seguinte em todos jornais, alguns de primeira página, falavam por si. A matéria falava em um milhão de participantes, o que contagens oficiais posteriores em domingos ensolarados de certa forma endossaram o milhão daquele último Passeio da Primavera realizado no circuito de um pouco mais de 4 km de avenidas no entorno do Parque Ibirapuera. Posso dizer que foi ao mesmo tempo maravilhoso e apavorante. 

No ano seguinte o Passeio Ciclistico da Primavera foi divido em dois, e mais para frente acabou no autódromo de Interlagos, é o que lembro. Perdeu a graça. Nunca mais participei. Óbvio que repetir aquela linda loucura não seria possível por diversas razões, tanto para organizadores quanto para os próprios ciclistas. Colocar um milhão de pessoas num mesmo lugar é complicado, em movimento é muitíssimo mais complicado. Lindo de se ver, mas insano.

Caio Pompeu de Toledo, secretário de lazer e esportes na administração foi quem fez acontecer. A ideia foi de um assessor, Caio (amigo da minha família que óbvio não lembro o sobrenome), e o projeto contou com o apoio imediato da Caloi. Os primeiros passeios foram quase intimistas, com o passar dos anos cresceu rapidamente, até chegar naquela maluquice do milhão.
Eram outros tempos. Para se ter ideia larguei minha bicicleta encostada em algum canto antes de subir no caminhão, ela ficou lá um tempão sozinha, sem tranca, e estava lá quando voltei. Bons tempos.

Para o setor, em especial para as bicicletarias era 'o' melhor momento do ano. Me lembro do meu caro Alberto, dono de uma grande bicicletaria no Itaim Bibi, dizer que tinha que se programar bem antes porque vinha uma enxurrada de bicicletas para fazer manutenção. O resto do ano? A maioria delas ficava jogada na garagem. 
Para se ter idéia, lá por 1990, alguns anos depois deste incrível evento, apareceu pela primeira vez um número: São Paulo tinha algo como 4 milhões de bicicletas, sendo que quando muito saiam para rua num domingo quente e ensolarado um milhão para um passeio. O resto ficava jogada tomando poeira. Outro número, algo em torno de 50 mil ciclistas circulando com regularidade, com detalhe importante, nos bairros de classe média e alta. Não periferia? Não faziam ideia, mas é certo que eram muitos muitos mais. Por que não sabiam? Por causa do horário de circulação, o que os tornou invisíveis para as autoridades.

Em 2007 Walter Feldman cria a Ciclo Faixa de Domingo, em consequência da grande quantidade de ciclistas aos domingos, um milhão segundo pesquisa CET, Caloi e da própria Secretaria de Lazer e Esportes comandada por Walter. A ideia veio do que estava sendo feito em Bogotá, o que não tira a genialidade do ação política, que no final das contas foi o que foi. A partir da Ciclo Faixa de Domingo o poder de reconhecimento da bicicleta perante autoridades mudou completamente.

terça-feira, 1 de outubro de 2024

Cucarachas


Dependendo da luz é uma coisa ou outra. Na luz correta é um trabalho forte, consistente. Na normal morre.
Como é ou são suas cores na luz? 

Saí pela manhã para caminhar pelas ruas de Roma, como tenho feito todos dias. Estou a uns 700 metros da Termini, a estação central de trens. O zoológico que circula pelas imediações, boa parte turistas, é o mais variado possível, percebe-se pelo falar, a forma de caminhar e não tanto pelo vestir. Quanto mais próximo da Termini, mais se acentua quem de fato é a pessoa e de onde vem, muitos estrangeiros. Os africanos, são os africanos, não só pela pele, mas pela forma de vestir, do caminhar, do se afirmar, que é patente mesmo quando fantasiados de europeus.

Fantasiados. Todos nós nos fantasiados, esta é a verdade. Europeu em tempo de frio, principalmente, se veste tudo muito parecido, o que se pode ler como "sou europeu como vocês que cruzam por mim nestas ruas". Socialismo embutido, juntos venceremos, ou efeito boiada, assim estou protegido, ou garantido. Ou tudo junto, mais um alto nível de escolaridade.
 
Somos todos cucarachas, pelo menos os nascidos ao sul do equador e vindos das Américas, leia-se abaixo da fronteira dos Estados Unidos, que é bem acima da linha divisória norte / sul. Vale para a América do Norte e para aqui,  Europa. Cucaracha. A diferença é que europeu é mais discreto.
"Não, não somos, isto é coisa dos imperialistas..." diriam e dizem os mais radicais e os que se acham. A verdade é que somos, cucarachas!, mas esta é uma outra história.

Tenho cara de Fritz, fora do Brasil e, muito pior, no Brasil. Não sou eu que digo ou queira ter cara de Fritz, mas é a voz comum que sempre vive me chamando de "alemão". Fritz, ponto final.  Na terra mãe isto me incomoda e muito. Nunca fui um brasileiro, lá, aí no Brasil, sou um cucaracha ao contrário. "Ô alemão" ouvi de montes e é das poucas coisas que me tiram do sério.

A vantagem que tenho nestas paragens, Roma, é que minha conversa com a italianada por aqui flui. O mesmo com outros europeus. No Brasil me sinto um marginal, um invasor, um cucaracha.


Há uma enorme diferença entre ser um poodle e um poodle que o pariu. O primeiro, o original, é conhecido pela sua sensibilidade e inteligência. O PQP também, com a vantagem de ser mais resiliente. Uma das vantagens dos cucarachas.