sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

referências

Subir o morro, deitar na relva e ver as estrelas é mágico. Em São Tomé das Letras, Minas Gerais, a magia é mais profunda por que as montanhas no fundo do horizonte fazem uma linha suavemente abaulada, como um vestido grudado ao corpo das curvas de uma bela mulher chamada Terra. Minha prima Thais contava que além do céu limpo cheio de estrelas viu um fogo fátuo descendo a rua, apavorante. O pequeno cemitério fica no Centro do lugarejo e os ventos levam os fogos fátuos e suas almas.
Quando era criança conseguia ver com clareza as estrelinhas e outros corpos celestes. Outro dia, depois de um forte vento de final de tarde, tive o imenso prazer de ver que São Paulo ainda tem estrelas. A luz da cidade e a forte poluição simplesmente roubam este prazer d’alma que deveria nos pertencer. É muito provável que haja uma geração que nunca chegou ver um céu cheio de estrelas e constelações, assim como galinha é aquele bloco de carne congelado no frízer do supermercado. Muita criança digital entra em pânico frente a uma penosa viva, ciscando e cacarejando.
Mais um pouco faz 40 anos que entrei num navio cargueiro para uma viagem de 15 dias rumo aos Estados Unidos. Saímos de Salvador rumo a Macapá para de lá subir sem escalas para Baton Rouge, capital da Louisiana, Estados Unidos. Depois de passar em alto mar pelas luzes das cidades litorâneas iluminadas, um traço pontilhado abaixo de um estrelado quase sem fim, o navio e todos nós nos lançamos ao alto mar, completamente distante das luzes da civilização. Na época, pela falta de completa confiança no radar e para facilitar a visão noturna, desligava-se todas as luzes externas do navio, deixando só as de posição. E ai o céu estrelado aplasta a consciência de quem se atreva olhar. Somos insignificantes, absolutamente insignificantes. Nada!
Deitei no teto do navio e lá fiquei. Por um tempo infinito meus olhos então jovens se adaptaram e mais e mais estrelas, planetas, corpos celestes, galáxias iam surgindo. Imensidão. Deus; dai terá saído teu nome, teu conceito, nossos pavores? Somos insignificantes perante a natureza. Tua ou nossa natureza? Nos cremos algo. Ridículo.
Nos dias seguintes, navegando em alto mar, sem qualquer referência a vista, a não ser o grande navio, descobri a fragilidade. Referências, nossa vida vale as referências que temos e levamos em conta. A galinha vale o cheiro do churrasco e nada mais. Nas refeições nos reuníamos. Depois sentávamos em silêncio no convés a olhar mar sem fim. A expressão daqueles homens do mar mudava e respingava nos olhos o medo daquele monstro vivo em ondas, espumas e fortes correntes submersas, mesmo assim amado, razão de vida. Aprendi a solidão, sua força, seus ensinamentos, sua sabedoria.
O destino prega peças. O papel no meio fio me chamou atenção e abaixei para pega-lo. Senti um vento. Quando levantei a senhora ao meu lado estava lívida. O espelho do ônibus passou por sobre minha cabeça. Quase. Olhei em volta e todos esperavam como eu, pontas dos pés no meio fio, para cruzar a rua sem temer os ônibus que zuniam a centímetros de seus corpos. Referências. Vou pegar a bicicleta. Não me faz qualquer diferença os carros que passam raspando, como dizem os ciclistas. “Quase...” Quase? Quase o que? Referências.

Venta forte. Limpou o céu. Incrível, a quanto tempo não vejo estrelas em São Paulo. Já ia me esquecendo delas...

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

I've seem all good people / I'm the walrus

Uma jovem orquestra e duas obras primas que marcaram minha vida. Fico profundamente emocionado com estas músicas e principalmente com a alegria e maravilhosa qualidade da garotada da Contemporany Youth Orchestra. Temos aqui em São Paulo a Orquestra Sinfônica Heliópolis, um trabalho raro, exemplar, muito mais reconhecido lá fora do aqui. 







espelho do caráter

Existem “n” maneiras de descobrir o real caráter de uma pessoa. Alguns são bem simples, outros complicados e demorados, e quando vem podem ser uma grande surpresa. A voz e o gestual costumam indicar caminhos, mas nem sempre indicam o caráter mais profundo. Dar um sorriso e falar com voz mansa ao cumprimentar até um filho da puta é recomendável, adequado e bastante útil na maioria das situações. O teatro serve também para mascarar o caráter real de quem se comunica. E assim caminha a humanidade.
Nestes tempos de grande incerteza que estamos vivendo principalmente aqui e agora na terra do nunca antes, conseguir perceber o caráter real das pessoas facilita muito sobreviver. A maturidade vai trazendo uma capacidade de perceber e ou sentir pequenos detalhes que indicam um caráter mais profundo individual e até mesmo coletivo. Mas não é preciso esperar os anos passar, basta prestar atenção nos sinais que parecem menores. O micro é idêntico ao macro. No discreto trejeito está a pessoa real.
Quem é ‘cachorreiro’ (gosta e convive com cachorros) sabe que os cachorros, em particular dentre os animais domésticos, é o espelho fiel do dono. Se o dono é muito tranquilo e o cachorro feroz pode escrever que o dono, numa situação extrema, vai mostrar um caráter ruim. O bicho vem abanando o rabo e a dona é tímida, fique certo que a dona depois de um tempo vai abanar o rabo e não vai parar de falar. O cachorro manda completamente na dona mostra uma pessoa submissa. E ai vai.
Bicicleta é um destes espelhos perfeitos, de cristal lapidado, limpo, perfeitamente emoldurado, do seu ciclista. Não tem erro. Basta olhar com atenção a bicicleta, ver que modelo é, o estado de conservação, a limpeza, a manutenção, os arranhados, assessórios; ver a posição do ciclista sobre a bicicleta, como toca nela, aciona os comandos, pedala, faz curvas e freia, interage com o trânsito, com as pessoas mais próximas, com os parceiros de pedal... Bicicleta é perfeita para saber quem é quem.

O interessante da bicicleta é que através dela se pode ver o caráter coletivo. Parecido com o trânsito, que segundo Roberto da Matta, respeitado antropólogo, que diz que trânsito é o reflexo de sua sociedade. Você chega na Holanda, NY, Barcelona, Montreal, Ubatuba, Denver, Miame, Rio Zona Sul, São Paulo Jardins, e olha as bicicletas circulando e fica fácil ter uma boa ideia sobre o caráter coletivo da população.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Qual é a prioridade?

Estabelecer corretamente as prioridades é literalmente imprescindível.
Mirian Leitão falou hoje no Bom Dia Brasil a palavra mágica maldita: resseção. Os empresários estão reticentes em investir por que não sabem como vai ficar a questão da energia. Vai faltar ou não? Vai aumentar o custo ou não? As linhas de transmissão vão aguentar por quanto tempo? Estamos ou não em resseção agora é quase uma questão de definição técnica. Chegamos aqui por que a escolha das prioridades foi errada, patética. Em nome de uma dita distribuição de renda (ou distribuição de presentes?) foram usados artifícios, chamadas por eles de prioridades, que sabida e comprovadamente seriam um tiro de grosso calibre no pé. A mira da prioridade estava mal calibrada ou o alvo era propositalmente outro?
Prioridade errada, caminho errado, final incerto. A escolha da prioridade pode não ser fácil, mas a seleção dos pontos prioritários sim, basta ter como norte outras experiências, sensatez, e principalmente a História (com “H” maiúsculo, não uma versão ideológica conveniente). Diminuir a vergonha, melhor dizendo, burrice da pobreza vem sendo uma das prioridades no Brasil muito antes do país do nunca antes; o que mudou foi a forma e principalmente a propaganda. Nossa, a propaganda! Os meios justificam os fins.
Como se diminui a pobreza? Pode ser uma discussão sem fim, mas a história prova que algumas ações funcionam, outras não. Estimular a ansiedade coletiva até perder o controle social não funciona, nunca funcionou e não funcionará. Portanto manter a calma coletiva é crucial. Falou em coletivo, massa social, falou em cidade, urbano, portanto qualquer que sejam as prioridades o urbano, a cidade, tem que estar incluída entre as prioridades prioritárias, como ponto de encontro, troca, convívio, desenvolvimento, estabilidade e segurança dos indivíduos. A bicicleta, veículo individual, ajuda muito na construção deste coletivo frutífero, mas é a prioridade? Ou faz parte das prioridades? Qual é a prioridade urbana, mobilidade ou a bicicleta?
As cidades estarem completamente congestionadas por conta do nunca antes IPI Zero é ótimo para a bicicleta. Se o carro não anda vai de bicicleta... Um carro a menos. Resseção também pode ajudar muito a causa da bicicleta. Quanto menos dinheiro circulando provavelmente mais ciclistas irão para as ruas.
Estratégia pode mudar os caminhos e colocar uma prioridade na frente da outra. Faz parte do jogo, mas tem seus limites. Ilumina-se o que inevitavelmente dá certo em nome da propaganda e ai até aquele velho e corriqueiro discurso “quanto pior melhor” pode ajudar. “Foda-se quem não quer mudar”. Foda-se?
Mas qual era a prioridade? Mais bicicletas nas ruas, mais ciclistas? Simplesmente? A que custo? “Ciclovias já” como o pessoal repetiu por décadas e aos gritos sem pensar? Ciclovia era a prioridade e o “ciclovias já” nos conduziu onde chegamos, praticamente sem ciclovias e sem segurança desejada. Tiro no pé. Como não havia, e continua não havendo, nem espaço nas vias nem verba suficiente o pedido de ciclovia foi e continua sendo usado para não se fazer nada. Estão certos eles. Os ciclistas eraram a prioridade: queriam segurança, falaram ciclovia. Esqueceram de pensar no todo, no espaço comum, nas demandas, na economia, nas leis, para os que decidem, quem decide, e esqueceram, ou ficaram calados, sobre a questão da insegurança de se pedalar numa ciclovia, fato perfeitamente documentado em documentos de várias origens e línguas. Chupa! Tiro no pé.
Ontem num programa sobre economia internacional comentaram que se está usando com frequência a expressão “argentinização” para países que foram ricos e estão sendo desmontados por idiotices aos poucos, dentre eles Itália. A expressão vem do fato que Argentina caminha para trás desde que a prioridade passou a ser o social populismo, mais conhecido como Peronismo ou Justicialismo, como queiram. A população comprou e continua comprando. A propaganda maquiavélica, mentirosa, sobre o que é prioritário mantem o poder. Chupa!
Ter como prioridade a ciclovia é simplesmente fechar os olhos para o tecido urbano de nossas cidades e o uso que o resto da população faz deste. Sem ciclovia não dá para mudar? É óbvio que dá, mas há inúmeras maneiras de fazer a transformação, algumas corretas e outras erradas. Olhando só por um lado não funciona; na porrada menos ainda.
Argentinização. Cada um escolhe a prioridade que quer, mas prioridades reais demandam inteligência e boa fé.

O Brasil do nunca antes reforçou a pauta da questão do nosso abismo social, assim como os movimentos da bicicleta colocaram em pauta a questão da necessidade imediata de mudança nas cidades, o que é muito bom. O que deixa dúvidas é o caminho apresentado, o que remete a escolha das prioridades. Afinal, quer assassinar uma prioridade? Use o politicamente correto como critério.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

III Fórum Mundial da Bicicleta - Curitiba 2014

Posso falar muito pouco sobre o III Fórum Mundial da Bicicleta de Curitiba por que tive que ficar por conta do estande da União de Ciclistas do Brasil e das articulações para a eleição da nova diretoria que aconteceu lá, no sábado. 
Pelo que vi o Fórum foi bem organizado. No geral os comentários de quem teve a oportunidade de participar dos mais diversos eventos foram sempre muito positivos. O interessante de ficar por ali, mas fora do principal, foi ver que o pessoal está amadurecendo. Não se ouve mais alguns extremismos adolescentes de alguns anos atrás. Os interessados sabem o que querem e parecem ter uma estratégia bem estabelecida para chegar lá. A sensação que dá é que a era do chute na porta de carro praticamente passou e o movimento vai indo no sentido da cidadania neutra, com foco na mobilidade, sem ideologias gritantes. Dá até para fazer piada, cutucar a posição do outro, sem azedar. Ótimo. 
Como disse, não sei como foi a audiência dos eventos, mas posso ter uma noção tanto por que não tinha aquela grande tropa gazeteando aula, matando palestra, fofocando e enchendo a cara no boteco do outro lado da rua. Tudo muito tranquilo, corretinho, bacana. Por exemplo, minha palestra que tinha um tema estranho, Qualidade e Equidade, foi marcada num horário que achei que poderia ser um mico, 13:30 h; dai imaginei uma sala provavelmente vazia. Não era uma sala, mas um auditório. Para completar caiu uma bela chuva na hora. Mesmo assim, para minha boa surpresa, comecei a palestra com um terço do auditório, que aos poucos chegou a dois terços de um público bem interessado e interativo. 
Teresa D'Aprile, do Saia na Noite, que também achava que faria uma conversa com meia dúzia, se tanto, teve umas 60 pessoas presentes. 
Lá em baixo, no pátio entre os dois edifícios onde aconteciam os eventos onde acontecia a feirinha e estava o bem organizado e lotado bicicletário, passava todo tipo de gente e umas tantas bicicletas "chiques", das chique capenga e das chique chique chilique. Gente fina é outra coisa. Tenho a curiosidade de ver quantos dos que estiveram lá permanecerão e para quantos o momento é momento e moda. Creio que boa parte é moda mesmo. Gente chique é outra coisa...
Digo por mim e pelo que ouvi que o Fórum foi muito bom para gregos e troianos. "Vai ser difícil fazer um Fórum melhor" disseram alguns. Eu espero que o próximo Fórum continue nesta toada crescente. 

A eleição da nova diretoria da UCB me deixa muito feliz por que dá o cargo de Diretor Presidente ao André Geraldo Soares, que na realidade sempre foi a UCB viva e ou a vida da UCB. A candidatura da chapa encabeçada por André Pasqualini foi derrubada pela ausências dele, que estava trabalhando em Maceió, e de Renato Zerbinato, assim como pela falta de alguém com uma procuração em mãos para representa-los. 

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

café expresso e Serra do Cafezal

Café expresso com broinha de milho, receita moderna da política do café com leite. As broas mineiras são mais airosas e saborosas que esta aqui industrializada, mas o café mineiro, aguado, continua sendo um horror. Faz mais de 30 anos, não existia café expresso, pelo menos aqui no Brasil, e o café de coador, bem passado e forte, era bem saboreado. Tínhamos tempo e calma suficiente para parar na mesa de casa ou na padaria para ver o vapor subindo, sentir o aroma, olhar a broa crescendo no forno e conversar, conversar e pensar...
Um dia entramos, eu e tio Renato (Brandão), uma figura especial à beira do limite da normalidade, na padaria da rua principal de Cambuquira, Circuito das Águas e Sul de Minas, e demos no canto a direita com uma mesa cheia de fazendeiros conversando. Ao ver tio Renato chegar um deles foi logo chamando e perguntado: “Ô Renato, meu caro, o que você acha? Mantemos os cafezais ou mandamos tudo para o chão? Plantamos café novo outra coisa?”. Na época as fazendas de café da região produziam um café de baixa qualidade e cada dia menos rentável. Tio Renato era conhecido e tido com algum respeito na região por que havia começado uma granja modelo de porcos com procedimentos de qualidade desconhecidos então, o que assustava a mineirada cabocla tranquila ainda perdida no passado. A resposta, detalhista, típica de quem sabe que é socialmente chato, mas respeitado por ter boa informação, terminou com um “....Por tudo isto, derruba tudo e planta café da mais alta qualidade”.  A expressão de todos, mesmo os que até então não tinham levantado o rosto da mesa e xicara de café ralo e frio, foi forte, decisiva. Sei que tio Renato não foi a palavra final, mas também sei que dali, daquela mesa com os principais fazendeiros de café da região, incluindo da cidade vizinha Três Corações, teve origem o ótimo pó de café que acabou de fazer o delicioso expresso que acabo de tomar.
Na época ainda circulavam os últimos velhos, lentos, poluentes, barulhentos e muito fortes FNM (Fábrica Nacional de Motores), os primeiros caminhões nacionais, conhecidos como “fenemê”. O Brasil era outro, muito menor, infinitamente mais tranquilo, mais lento. Mesmo assim a Rodovia Regis Bittencourt já era um perigo e um problema, principalmente nas serras. Já se falava na sua duplicação, na necessidade de redução dos acidentes, na maior rapidez da viagem, na importância vital desta ligação rodoviária entre a Região Sul e a Sudeste, as propulsoras da economia nacional.
Nestes 40 anos a estrada foi recebendo alguns melhoramentos, mas a Serra do Cafezal continuou igual com todos seus problemas, desastres, estrangulamento de trânsito, lentidão... Principalmente por causa deste trecho a Regis é conhecida com “Estrada da Morte”. Foram inúmeras as razões para que o problema não tenha sido resolvido, principalmente a questão ambiental, mas o Brasil cresceu muito e junto com ele a importância estratégica da Regis. Só agora está sendo feito a duplicação da pista na Serra do Cafezal. Quando ficar pronta vai ser um imenso progresso, mas provavelmente a obra já vá ser entregue aquém da demanda... Mas não este não é o ponto.
Qualquer que tenha sido a razão, a Serra do Cafezal é prova inequívoca que vivemos num país que não tem futuro. Estes estúpidos 19 km devem ter representado uma perda para o país, portanto todos nós, quase imensurável em todos aspectos, do econômico ao ambiental, da erradicação da pobreza ao passo seguro para o futuro. A Serra do Cafezal é prova de nossa falta de inteligência e capacidade de realizar. Em 30 anos teria sido possível abrir tuneis a mão, com inchadas, pás e burros de carga. Ou, se houvesse menos indolência e desinteresse, teríamos pensado e realizado alguma solução. Nada, absolutamente nada, além de atraso e mortes, uma atrás da outra, sempre.

Ontem demorei 9 horas de Curitiba a São Paulo, sendo 3 horas para cruzar a Serra do Cafezal. Ou seja, numa mula teria sido mais rápido, menos custoso, mais eficiente. Dentro do confortável ônibus, vendo um filme colocado para acalmar ânimos, me senti mais uma vez envergonhado com meus silêncios. Como poderia ter lutado para que esta estupidez já tivesse sido resolvida? 

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

World Bike Tour SP 2014 triste


Depois que Emerson Fittipaldi saiu da F1 e antes sua ingresso na Fórmula Indy fizeram uma corrida de kart na Praça Charles Miller com kartistas profissionais. Praça cheia, gente se divertindo. Fez lembrar tempos passados que corrida de kart se fazia no meio das cidades. Eventos na área do Estádio do Pacaembu acabaram por que os vizinhos que não querem ser incomodados; o que é um direito deles, mas uma tremenda sacanagem com a cidade. Eventos no meio da rua ou estacionamentos são essenciais para a vida na cidade.
Os irmãos Anderson, Clovis, Celso e Cleber (ainda tem mais três) começaram no ciclismo participando de um torneio escolar que dava a volta no quarteirão. Mais ou menos na mesma época surgiram algumas pistas de BMX me praças públicas ou terrenos baldios. A molecada achava o máximo. De lá saíram ciclistas olímpicos e campeões internacionais. Porque não se repete?
A maratona, as meia maratonas, as de 10k e a São Silvestre tiveram seus trajetos recentes estabelecidos para atrapalhar o mínimo possível o trânsito. A descida da Major Natanael logo depois da largada da São Silvestre é um crime contra todos corredores. Correr na Marginal Pinheiros é outro crime contra os maratonistas. E assim vai. Pior, perdeu-se grande parte do público que assistia, aplaudia, se divertia, e principalmente uma oportunidade maravilhosa de estímulo à melhoria da saúde pública.
Eu presenciei o último Passeio Ciclístico da Primavera no Ibirapuera. Vi a largada e fiquei esperando o fim da saída da multidão de ciclistas que não acabava mais para ir atrás e aproveitar melhor as avenidas fechadas e pedalar em paz. Vi com estes olhos, de cima do carro de som, ao lado de Bruno Caloi e Caio Pompeu de Toledo, Secretário Municipal de Esporte e Turismo e responsável pelo passeio (idealizado por Caio Carvalho), os primeiros ciclistas terminando o passeio lentamente quando ainda faltava largar muita gente, uma assustadora e deliciosa confusão nunca vista. Fez-se um anel de 10 km de ciclistas entupindo avenidas largas. Fiquei tão admirado que acabei não indo pedalar, mas voltei para casa completamente realizado. No ano seguinte o Passeio Ciclístico da Primavera foi diluído...
A Nove de Julho, a prova mais importante de ciclismo do calendário de São Paulo foi realizada durante muitos anos nas avenidas do entorno do Ibirapuera, com um bom público. Depois passou para o entorno do Campo de Marte, com um público muito menor. E dai foi para Interlagos, com um público muito menor ainda, mínimo, horrível. Triste fim para um evento ciclístico que foi tão importante que dava primeira página de jornal, saía de Santos, subia a serra cruzava São Paulo e terminava no mesmo Ibirapuera.
Infelizmente, ou felizmente, não sei bem, não participei ou vi de perto o World Bike Tour de São Paulo deste ano, mas mesmo longe pude entender que algo saiu muito errado. Será o fim de mais um grande evento de rua? O evento escorregou feio e teve que ser adiado por uma semana para tentar corrigir erros de organização e ter todas as bicicletas em ordem, o que não aconteceu. No dia seguinte o SPTV da TV Globo, apoiadora do evento, noticiou os problemas com as bicicletas, que com certeza não se restringiu só às 16 alegadas pelo organizador. Eu estava na Ponte Cidade Universitária por onde passaram muitas bicicletas capengas, principalmente pedais soltos, uma repetição do erro estúpido do primeiro WBT. Os participantes relataram uma grande bagunça na entrega das bicicletas, um pega o que puder e até um leva quem quer. Triste. Será o fim de mais um evento de grande público?
O que fica claro é que a cidade da administração pública historicamente não é para as pessoas, para a vida, não é da alegria, do bem estar, da continuidade de eventos de sucesso. Infelizmente nós, brasileiros, temos pouco apreço pela tradição, pela continuidade.

Sei os limites de atuação da administração pública e sei que eles não podem interferir numa organização com a do WBT, mas o evento é público, um sucesso e (talvez ainda) de interesse estratégico para a cidade. Com inteligência poderia ter sido usado como divulgação ou mesmo propaganda de coisas boas. Não estão fazendo isto com o futebol, que não passa de um rentabilíssimo negócio privado (mesmo sendo inadimplente)? Por que não apostar algumas fichas para evitar uma confusão com esta do WBT? Dá para fazer algo sem cair na ilegalidade. 

fotos: Teresa D'Aprile